domingo, 17 de março de 2024

Exigências climáticas para a Ervilha

 

Exigências climáticas

Um bom desenvolvimento da cultura da ervilha esta relacionado, entre outros fatores, as condicoes climaticas favoraveis. Por ser uma cultura adaptada a climas temperados, o seu desenvolvimento vegetativo e favorecido por temperaturas compreendidas entre entre 13 oC e 18 oC e umidade relativa entre 60% a 70%; a umidade relativa do ar nao afeta diretamente a producao, entretanto acima de 80% pode propiciar o aparecimento de doencas, como aumento da incidencia do fungo Ascochyta pisi, alem de prejudicar a qualidade dos graos.

E uma planta bem tolerante a baixas temperaturas, sendo que as sementes germinam a partir de 4 oC, embora geadas possam prejudicar seu cultivo, principalmente na fase de

florescimento e durante a formacao de vagens (Figura 11). A produtividade e prejudicada em temperaturas acima de 27 oC, podendo ainda afetar a qualidade dos graos, favorecendo a conversao dos acucares em amido.

Assim, o cultivo da ervilha adapta-se melhor na regiao Sul do pais, em regioes serranas ou de planalto e em microclimas de temperatura amenas com altitude superior a 500 m. No Planalto Central, seu cultivo e realizado durante o inverno sob condicoes de irrigacao, principalmente nas fases iniciais do seu desenvolvimento.

Vagens de ervilha com danos causados por geada.

A ervilha e considerada uma das culturas cujo desenvolvimento mais fielmente responde ao sistema de unidades termicas ou graus-dia. Nesse conceito, a taxa de desenvolvimento da planta e condicionada pela temperatura do ar no ambiente de cultivo.

Outros fatores ambientais com potencial efeito no ciclo da cultura nao sao considerados no calculo de graus-dia.

Em linhas gerais, a necessidade de graus-dia de crescimento da ervilha e na ordem dos 700 a 850 graus-dia para as cultivares precoces, 850 a 1.000 para as cultivares semiprecoces e mais do que 1.000 graus-dia para as cultivares tardias.


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Cultivares de Ervilhas

 

Cultivares

As características que influem na escolha da cultivares para cada tipo varietal devem estar relacionadas ao sistema de cultivo utilizado e principalmente a finalidade a que se destinam.

Assim, deve-se levar em consideração a arquitetura e o porte da planta (determinado ou indeterminado), coloracao das vagens (claras ou escuras), textura do cotyledons (lisos amilaceos ou enrugados doces) e cor do cotiledone que, com raras exceções quando utilizados na alimentação humana, sao verdes.

As cultivares utilizadas para a produção de ervilha seca possuem grãos redondos e lisos, que sao utilizados partidos ou inteiros; nesse ultimo caso, visando o enlatamento (apos reidratacao). Graos pequenos (140 g/100 a 160 g/100 graos), de tamanho uniforme e com baixa porcentagem de descoloração são os ideais para a industria.

A cultivar mais plantada no pais e a ‘Mikado’. Essa cultivar (originaria da Holanda) possui um ciclo aproximado de 110 dias e foi introduzida e avalia-da nas condições brasileiras durante vários anos pela Embrapa Hortaliças. E bastante produtiva, apresenta otima qualidade industrial (tamanho, boa reidratação e menor porcentagem de descoloramento dos grãos); e, entretanto, suscetivel ao oidio, uma das principais doenças que ocorrem em nossas condições. A Embrapa Hortaliças desenvolveu e liberou varias cultivares visando o encantamento Tais como: ‘Amelia’, ‘Dileta’, ‘Flavia’, ‘Kodama’, ‘Luiza’, ‘Maria’, ‘Marina’ e ‘Vicosa’.

Para o segmento de ervilha verde enlatada utilizam-se cultivares de granos rugosos. Visando atender este seguimento do mercado, a Embrapa Hortalicas disponibilizou ao mercado, as cultivares ‘Axe’, ‘Forro’, ‘Frevo’, ‘Pagode’ e ‘Samba’. Estas cultivares sao indicadas especialmente para a agroindustria de graos verdes enlatados ou congelados, sem a necessidade de reidratação antes de serem processadas.

A cultivar ‘Axe’ pode ainda ser utilizada na produção de ervilha verde debulhada. Outras cultivares de origem estrangeira tem sido utilizadas por algumas (poucas) empresas aqui no pais que atuam neste segmento.

Existem outras cultivares de ervilha verde que são utilizadas para a produção de ervilha debulhada, geralmente utilizada por pequenos agricultores e comercializadas em feiras.

A diferenca basica entre as cultivares de sementes lisas e rugosas e sua composição química. As semen-tes lisas (que e uma caracteristica dominante) apresentam teores mais elevados de amido e menor teor de sacarose quando comparadas com as sementes rugosas que apresentam um excesso de sacarose. Durante a maturação das sementes, ocorre inicialmente maior acumulo de açúcares e menor sintese de amido; logo em seguida, o conteúdo de açúcar cai bruscamente e o teor de amido aumenta.

Em cultivares de sementes lisas, o primeiro estagio e bem mais curto; sendo que nas sementes rugosas, o acumulo de acucar e significante. Com a redução do teor de açúcar durante a maturação, as sementes das cultivares de ervilha verde apresentam fenotipos caracterizados por enrugamento (sementes rugosas). Estas diferenças de composição química e formato das sementes podem influenciar a qualidade fisiológica e sanitária. Por exemplo, as sementes das cultivares de ervilha verde, por possuírem maior teor de açúcar, sao mais suscetíveis ao ataque de fungos durante a germinação e estabelecimento de plântulas.

No segmento de ervilha-vagem a cultivar mais utilizada no Brasil e a ‘Torta de Flor Roxa’, que apresenta porte indeterminado, com plantas entre 1,2 metros a 1,5 metros, uni florais e tegumento das sementes pigmentado e cotilédones amarelos (Figura 9). O comprimento das vagens e de 10 cm a 14 cm e a largura e de 2 cm a 3 cm. O ciclo e de aproximadamente 100 dias com inicio de colheita aos 70 dias. A maioria das cultivares e suscetível ao oídio; entretanto, a cultivar ‘MK 13’ apresenta resistencia a esta doenca. As cultivares de ervilha do tipo forrageira são indicadas para adubação verde e cobertura do solo, preferencialmente antecedendo gramineas, ou para alimentacao animal como pasto, silagem ou racao. Apresentam caracteristicas importantes para a conservacao e fertilidade do solo, sendo cultivada no inverno. Representa também opção vantajosa devido ao rápido crescimento inicial, precocidade, grande massa verde, uniformidade, redução da utilização de fertilizantes a base de nitrogênio nas culturas subsequentes e redução dos custos de produção e dos impactos ambientais. A aptidão dos grãos para a formulação de ração animal, principalmente para suinos, pode ser mais uma alternativa de utilização, por apresentar altos niveis de proteina bruta. Nesse segmento, a Embrapa Hortaliças desenvolveu em parceria com a Embrapa Trigo, a cultivar forrageira ‘BRS Sulina’ (Figura 10), indicada para adubação verde e para cobertura de solo, no inverno. ‘BRS Sulina’ apresenta um rapido crescimento inicial, precocidade e uniformidade, reduzindo assim o uso de herbicidas dessecantes em sistema de plantio direto.

Campo de produção de sementes da cultivar BRS Sulina.


terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Botânica da Ervilha

 

Botânica

A ervilha e uma leguminosa pertencente a família Fabaceae, subfamilia Faboideae (sin. Papilionoideae), a tribo Vicieae (sing. Fabeae), ao genero Pisum e a especie Pisum sativum L. O genero Pisum possui grande variabilidade genetica, presente nas variedades comerciais e nos materiais dos bancos de germoplasma. Dentro deste genero, sao relatadas sete es-pecies: P. arvense, P. elatius, P. formo-sum, P. fulvum, P. humile, P. jomardie e P. sativum. Entretanto, alguns autores reconhecem apenas duas especies, P. arvense L. (ervilha forrageira) e P. sativum L. (ervilha verde). No entanto, todos os tipos são classificados dentro da especie P. sativum, onde se incluem também as ervilhas forrageiras.

Importação de ervilha no Brasil entre os anos 2011-2015.

A ervilha e uma especie diploide (2n=2x=14), anual de inverno, herbacea e com germinacao hipogea (Figura 2). Apresenta habito de crescimento determinado ou indeterminado (Figura 3), possui hastes finas formadas por nos e entrenos. As folhas são compostas distribuídas de forma alternada, formadas por 2 a 3 pares de foliolos ovalados, de margem inteira ou sinuado-dentados na parte superior, na base das folhas dispõem-se duas estipulas arredondadas e podem ser encontradas em três formas: afila, semiafila e normal (Figura 4). Suas inflorescências estão distribuídas de forma alternada ao longo do caule, e podem ter uma ou mais brácteas, de forma e dimensões variáveis que surgem nas axilas foliares. Ate o surgimento da primeira inflorescência, o numero de nos e constante, característica utilizada para a caracterizacao de precocidade de cultivares.

Etapas da germinação de sementes de ervilha.

Campos de produção de ervilha de crescimento indeterminado (A) e determinado (B).

Tipos de folhas de ervilha: afila (A); semi-afila (B); normal (C)

A flor da ervilha e composta por cinco pétalas, sendo a maior delas denominada de estandarte. As petalas menores sao as asas, e na parte anterior da flor se encontram as duas pétalas que formam a quilha. Ja o calice verde e formado por cinco sepalas unidas, duas atras do estandarte, duas opostas as asas e uma anterior e oposta a quilha. O gineceu e constituído pelo pistilo e um ovário e o androceu e formado por dez estames. O pistilo e formado por um único carpelo e um ovário que contem duas fileiras de óvulos inseridos em duas placentas paralelas. As flores podem encontrar-se solitárias ou em grupo de 3 ou 4 e apresentam uma coloração branca ou violácea (Figura 5).

Flores de ervilha de coloração branca (A) e violacea (B).

E uma especie autogama, cleistogamica, com polinização ocorrendo aproximadamente 24 horas antes da abertura da flor (antese). A germinação do tubo polínico pode levar de 8 a 12 horas e a fertilizacao de 24 a 28 horas apos a polinizacao. Seu estigma fica receptivo ao pólen alguns dias antes da antese ate um dia apos o murchamento da flor. O polen, por sua vez, e viavel desde o momento da deiscencia das anteras. Apos o pro-cesso da fecundação, desenvolve-se o fruto que consiste em uma vagem de forma, tamanho, coloração e textura variáveis.

Suas sementes maduras sao globulares, podendo ser lisas ou rugosas, e o tegumento pode ser tanto hialino quanto colorido e seu embrião formado por dois cotilédones e um hipocótilo bem desenvolvido. Os cotilédones podem ser encontrados nas cores amarela ou verde e nas texturas lisa ou enrugada. O ciclo vegetativo da ervilha, dependendo da cultivar e das condições climáticas necessárias para o seu desenvolvimento, e de 90 a 140 dias. Em função do fotoperíodo, são estabelecidos tres distintos grupos varietais de ervilha:

Precoces – Se caracterizam pelo aparecimento das primeiras flores entre o 6o e o 9o entrenó e sao normal-mente indiferentes ao fotoperiodo.

Semi Precoces – As primeiras flores deste grupo varietal aparecem entre o 9o e o 11o entrenó e são medianamente sensíveis ao fotoperíodo.

A ervilha-vagem (também conhecida como “ervilha torta”), (Figura 6), nao apresenta pergaminho, devido a presença de dois genes com interação não alélica localizados nos cromossomos 4 e 6. O genotipo duplo-dominante (PPVV) apresenta esclerênquima nas vagens e o duplo recessivo proporciona ausencia total de fibras. As demais combinacoes (ppVV e PPvv) possuem areas irregulares de tecido esclerenquimatoso distribuido nas paredes das vagens e, por esse motivo, nao sao comestiveis.

As cultivares utilizadas para a produção de ervilha seca possuem sementes redondas e lisas, que podem ser utilizadas partidas ou inteiras, e neste caso, visando o enlatamento apos a reidratacao (Figura 7a). Ja as cultivares utilizadas para producao de graos verdes, destinados ao enlatamento possuem geralmente sementes rugosas e elevado teor de acucar (Figura 7b). No caso dos graos imaturos destinados ao congelamento, a coloração verde escura e a mais desejável.

A ervilha forrageira (P. sativum subsp. arvense) apresenta caules flexuosos, estriados, delicados, simples ou quase simples; suas folhas sao paripinadas apresentando gavinhas,

ramos, geralmente terminais; possui entre 1 - 3 pares de foliolos ovalados, mucronados, de margem inteira ou sinuado-dentados na sua parte superior.

A coloração de suas flores e um vermelho-violáceas, podendo ser encontradas solitarias ou geminadas sobre pedunculos axilares aristados; sua corola geralmente e rosa-violácea com alas violaceo-purpúreas (Figura 8).

Os frutos são vagens oblongas, que podem, de acordo com a sua forma, apresentar terminacao obtusa, curvada ou fortemente em forma de pico; apresentam sementes lisas, esfericas, ovaladas ou rugosas (cilindricas, comuns), verdes (normal, palido,amarelo), creme, marrons ou com manchas de cor castanha-purpura.

Como na maioria das dicotiledôneas, as reservas do endosperma sao direcionadas para o embriao, se acumulando nos cotiledones, sendo assim denominadas exalbuminous.

Detalhe de uma planta de ervilha forrageira.


Produção de ervilha da cultivar ‘Torta de Flor Roxa’.

Sementes de ervilha lisas (A) e rugosas (B).



terça-feira, 31 de outubro de 2023

Histórico da adubação verde no Brasil


 

Introdução

A história é de extrema importância, pois, por meio dela, é possível resgatar o desenvolvimento do pensamento científico. No entanto, só é possível resgatar a história que foi registrada, seja por quem a viveu, seja por terceiros. Este capítulo é um passeio por esses registros.

A adubação verde é uma técnica muito antiga. Em toda a sua história, a revisão mais completa que se encontra é a do livro Green manuring: principles and practice1 (Pieters, 1927). Nesse livro, o segundo capítulo trata da história da adubação verde na China, na Grécia e em Roma, na Europa Medieval, na Alemanha, na Inglaterra e nas Américas, em diferentes épocas. Outro livro em que esse assunto se encontra de forma detalhada intitula-se Root nodule bacteria and leguminous plants2 (Fred et al., 1932).

A civilização chinesa foi a primeira a empregar a adubação verde visando à manutenção da fertilidade do solo. Embora não se tenham registros precisos da data em que essa prática foi iniciada, sabe-se que, na dinastia Chou (1134–247 a.C.), começaram a ser empregados, como adubos, os restos de cultura e vegetação natural dos campos cultivados. Segundo Pieters (1927), Chia Szu Hsieh, em seu livro Ts’i Min Yao Shu3, escreveu, 5 séculos antes de Cristo:

Para a adubação da terra, o “lu tou” (Phaseolus mungo, L. var. radiatus) é o melhor, e “siao tou”(P. mungo L. var.) e o gergelim estão em segundo lugar. Eles são semeados a lanço no quinto ou sexto mês e enterrados no sétimo ou oitavo mês. Seu valor como fertilizante é tão bom quanto o do excremento do bicho-da-seda ou do esterco de curral bem curtido (Hsieh citado por Pieters, 1927, p. 10).

Depois dos chineses, os gregos e os romanos empregaram largamente as leguminosas como rotação de culturas. A inscrição em latim Sator arepo tenet opera rotas, da época do Império Romano, encontrada nas ruínas de Herculano, tem o seguinte significado: “Agricultor sábio continua a executar rotações” ou “Agricultor sábio sempre faz rotação” (Bancos..., 2007a). Essa frase é considerada um palíndromo perfeito, pois pode ser lida na horizontal ou na vertical, inclusive de cima para baixo ou de baixo para cima (Figura 1), e, por isso mesmo, tem despertado a imaginação e a curiosidade de muitas pessoas (cristãos, numerólogos, escritores, mágicos, entre outros)ao longo dos tempos.

A observação dos resultados benéficos da adubação verde fez com que essa prática fosse utilizada por mais de 2 mil anos, sem explicação técnica ou científica sobre o motivo desses benefícios.

Posteriormente, alguns fatos e pessoas foram importantes para essa elucidação: primeiro, Lavoisier (1743–1794) descobriu a existência do nitrogênio no ar; depois, Pasteur (1842–1895) e Koch (1843–1910) desvendaram o mundo da microbiologia e descobriram as bactérias e parasitas.

Em seguida, Hellriegel (1831–1895) e Wilfarth (1853–1904) comprovaram que as nodosidades das raízes das leguminosas continham bactérias e que essas eram capazes de fixar nitrogênio do ar no solo em uma molécula orgânica; e, finalmente, Beijerinck (1851–1931) conseguiu isolar e cultivar esses microrganismos, demonstrando claramente sua função.

Adubação verde no Brasil

A prática da adubação verde foi introduzida nas Américas pela Inglaterra; com efeito, já no final do século 18, a adubação verde era praticada em Maryland e na Virginia (Pieters, 1927). Há relatos que, nesssa época, uma espécie vegetal, hoje reconhecida como feijão-caupi, foi utilizada como adubo verde. Segundo Pieters (1927), a primeira edição de um trabalho, denominado Farming with green manures, foi publicado em 1876, por Harlan.

Décadas de 1920 a 1940: adubação verde como benefício à fertilidade dos solos

No Brasil, os adubos verdes são conhecidos há pelo menos 100 anos. As primeiras informações técnicas sobre adubação verde foram publicadas por Gustavo Rodrigues Pereira D´Utra (Figura 2), no livro Adubos verdes: sua produção e modo de emprego (D’Utra, 1919). No texto, são descritos, de maneira clara e objetiva, os principais benefícios da adubação verde, essa milenar técnica agrícola. Nele, o autor destaca que:

Para se obter, porém, resultados satisfactorios em todos os sentidos, faz-se preciso semear plantas que estejam em relação com o clima e a natureza do terreno, que cresçam bem nos solos magros ou pobres e que tenham um systema foliáceo muito desenvolvido e rico em azoto, assim como uma vegetação rápida. Cortadas, quando preciso, e enterradas, ellas realizam estas duas vantagens ou condições sobremodo apreciáveis: reúnem nas camadas superiores os elementos mineraes dispersos nas do fundo, onde não são aproveitados pelas plantas alimentares, industriaes ou forrageiras de raízes curtas e cujo cyclo vegetativo é percorrido apenas em poucos mezes, e enriquecem a terra de princípios nutritivos, que se constituíram á custa do carbono, do oxygenio, do azoto e do vapor d´agua, todos tirados do ar. [...] A prática do emprêgo dos adubos verdes, porém, requer climas doces e humidos e terras leves,enxutas e pobres: ahi é que ella surte os melhores resultados (D´Utra, 1919, p. 6-7).

Em 1928, Theodureto de Camargo e João Herrmann publicaram a obra Contribuição para o estudo da adubação verde das terras roxas cansadas. Foi um dos primeiros indícios de que a agricultura, que, da forma como era praticada, esgotava a fertilidade do solo, precisava ser repensada e reformulada (Camargo; Herrmann, 1928).

Em 1925, o boletim Feijão de porco, escrito pelo diretor do campo de sementes de São Simão, SP, Henrique Löbbe, traçou um histórico e apresentou resultados de pesquisa com os adubos verdes: feijão-de-porco (Canavalia ensiformis) e mucunas (Mucuna aterrima). Em suas considerações finais, ele destaca:

Para alguns, parecerá que a adubação verde só traz a vantagem de fixar o azoto e fornecer materia organica ao solo. No entanto, é um facto que nas terras em que se cultivaram leguminosas a percentagem de acido phosphorico, potassa e cal soluveis é sempre mais rica do que em terrenos idênticos, em que se praticou a cultura de uma gramínea, por exemplo. [...] Ainda agora o prof. J. Aeroboc, da Escola Superior de Agricultura de Berlim, fez a descoberta de que as leguminosas “mobilisam” o acido fosforico contido em todos os solos, sob a fórma insoluvel, tornando-o solúvel e assimilável depois, pelas culturas que lhe succederem. Ora, para que melhor argumento a favor da adubação verde, sinão este: que além de suas plantas fornecerem de si próprias excelente composição para os solos, ainda elaboram e tornam aproveitável um elemento tão precioso á vida e que os demais vegetais não tem aptidão para utilizar em seu estado natural? É o adubo ao alcance do lavrador pobre e com o lucro previamente assegurado, o que não se dá com os corretivos químicos, os quaes além de dispendiosos, produzem muitas vezes resultados negativos, mesmo quando aplicados por entendidos, pois exigem uma serie de conhecimentos technicos, dependendo até, o seu exito, de que as circunstâncias do meio lhe sejam favoráveis na occasião! A adubação verde é incontestavelmente a adubação do Futuro, a que nos ha de enriquecer, por um preço irrisorio, os campos inaproveitáveis e revigorar as terras cansadas por culturas exhaustivas e continuadas! (Löbbe, 1925, p. 17-18).

Em 1932, o boletim Como obter o azoto barato para a agricultura, de Genesio Pacheco, destaca a importância do azoto (nitrogênio) para a manifestação da expressão de vida, seja ela animal, seja vegetal. Nesse contexto, ele destaca a importância das leguminosas:

Podem explicar muito bem a uberdade quase perenne de nossas terras tantas especies de leguminosas, pululando por toda a parte do nosso solo e enriquecendo-o de azoto, cada anno, com o seu trabalho constante e silencioso. É claro que nem todas ellas se prestam igualmente á cultura, visto serem muito variadas em seu talhe e ciclo vegetativo e não serem talvez portadoras de nodulos.

Preferivel, neste particular, são os feijões, vegetales de curta vida, ramagem reduzida, raizes superficiais e, ainda por cima, productivos. É o typo da leguminosa que serve aos nossos campos, cultivados entre as leiras de café, laranja e de outras plantas agrícolas de vegetação perene. Faceis De cortar e transportar, enriquecem o solo com a ramagem e com as raízes; desse modo, mesmo transportados, podem adubar outras terras e ainda deixar enriquecido o sólo onde foram cultivados (Pacheco, 1932, p. 21-22).

Notam-se, no texto, a proposição do uso dos adubos verdes em cultivo intercalar e a transferência de fertilidade (mediante o cultivo da leguminosa em área diferente) ao local de sua incorporação, ambas as soluções para viabilizar a adubação verde em culturas perenes.

Além disso, o boletim mostra resultados experimentais de soja com e sem inoculação, destacando as suas múltiplas aplicações:

Dentre os feijões que enriquecem a terra de azoto com seus nódulos bacterianos um existe, muito conhecido, destacando-se dos demais pela produtividade e, mais do que isso, pelas múltiplas aplicações que delle se fazem e para o qual há sempre mercado inesgotavel: é o feijão soja (Pacheco,

1932, p. 23-24).

Foi dito acima ser a adubação verde a mais importante applicação da soja á nossa agricultura.

Possivelmente não sobrepujará ella outras leguminosas neste particular. Tem sobre todas, porém, a vantagem de encontrarem os seus grãos colocação fácil nos mercados de toda parte, já a elles acostumados, dada a multiplicidade de usos que se lhe dão. Não se querendo plantar a soja, plantem-se feijões, amendoim ou outras leguminosas de curta vida, mas todas capazes de adubar o sólo, além de fornecerem grãos comerciáveis (Pacheco, 1932, p. 28).

No final do texto anterior, evidencia-se também a preocupação do autor em recomendar aos produtores rurais o uso de adubos verdes cujos grãos apresentem valor econômico.

Em 1933, o agrônomo Carmo Gomes Escobar escreveu:

A adubação verde é um dos métodos de melhoria do solo de importância capital e que, felizmente, tem sido bastante ventilado entre nós. Incorporar ao solo a matéria orgânica é aumentar o seu teor em húmus e, consequentemente, a sua capacidade para fornecer abundantes colheitas. Quanto mais tocarmos nesta tecla, tanto mais cumpriremos o nosso dever, certos de prestar grandes serviços a todos os lavradores que se dediquem com amor ás suas terras. O lavrador inteligente não despreza as oportunidades que se oferecem de se inteirar daqueles conhecimentos que lhes possam ser úteis e que se encontram nos conselhos do técnico (Escobar, 1933, p. 1).

Na Figura 3, veem-se as capas de algumas publicações brasileiras do início do século 20, cujos autores são D´Utra, de 1919, Camargo e Herrmann, de 1928, e Escobar, de 1933.

Em 1938, Carlos Teixeira Mendes, professor catedrático de agricultura da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), publicou o livro Adubos verdes (Figura 4), no qual discorreu sobre os experimentos realizados no Campo de Experiência, em Piracicaba, SP (Mendes, 1938).

Em seu trabalho, destaca a importância da matéria orgânica para o solo:

Enquanto apareçam alguns resultados contraditórios [...] os efeitos da materia orgânica são indiscutíveis; ella, representada aqui por uma das formas mais pobres em elementos químicos – o terriço –, elevou a produção da parcela respectiva de modo a ser comparavel à da de adubações azotadas [...]. Atente-se para o facto da maioria das nossas terras cultivadas serem permeáveis e acessíveis ao ar, serem ricas em ferro que poderá facilitar as oxidações e estarmos em clima quentes e com boas chuvas; tudo isso concorrendo para a evolução rapida e desaparecimento da materia organica, vae transformando principalmente as nossas terras roxas, cheias de vida, em terras esmaecidas, mais tenazes, menos productivas: terras cansadas, no dizer do caboclo descrente. [...] O seu corretivo mais natural será a materia organica; o vehiculo desta os adubos verdes (Mendes, 1938, p. 24-26).

O autor destacou ainda dois processos que vinham sendo realizados com grande sucesso na Fazenda Modelo, em Piracicaba, SP: o adubo verde como cultura exclusiva, isto é, ocupando todo o terreno, e o adubo verde como cultura intercalar. Há ainda um capítulo específico sobre as leguminosas como alimento para os seres humanos e outro relacionado às leguminosas como forragem.

Nas obras citadas, principalmente nas publicações do estado de São Paulo de 1919 a 1938, evidencia-se o uso da adubação verde com a compreensão do seu benefício à fertilidade do solo, pois esse era o principal problema encontrado na época. As terras tornavam-se cansadas depois de utilizadas na agricultura, como ficou claro por meio das reproduções textuais das publicações.

No ano de 1939, foi publicado o Boletim nº 26, da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio do Rio Grande do Sul, o qual denotava uma compreensão mais ampla dos benefícios da adubação verde. O boletim intitulado Adubos verdes: o tremoço (Lupinus sp.) e sua aplicação no melhoramento das terras, de autoria de Outubrino Corrêa, destacava a importância da adubação verde para a lavoura rio-grandense:

Para salientarmos a grande importância da adubação verde para a lavoura riograndense, torna-se mister citarmos as suas incontestáveis vantagens, as quais afetam direta ou indiretamente a fertilidade das terras pelas modificações que operam sobre as suas propriedades físicas, químicas e biológicas (Corrêa, 1939, p. 11).

Nesse boletim, exaltam-se outras vantagens além das relacionadas à fertilidade do solo: 1º – Melhora as propriedades físicas do solo – a) Pela cobertura [...] b) Pelo enterramento [...] c) Pelas raízes [...] 2o – Melhora as propriedades químicas do solo [...] 3o – Melhora as propriedades biológicas dos solos [...] 4o – Como meio de combate às ervas ruins [...] 5o – Como cultura profilática [...] 6o – Como adubo econômico [...] 7o – Melhora as terras inclinadas [...] 8o – Fertiliza as terras “cansadas” [...] 9o – Como planta forrageira (Corrêa, 1939, p. 13-18).

Em 1947, o engenheiro-agrônomo Álvaro Ornelas de Souza escreveu o livro Recuperação das terras pela adubação verde (Souza, 1947). A obra é um verdadeiro apelo consciente ao uso da técnica de adubação verde, em contraposição ao que ele chamou de “hábito funesto do agricultor”, que:

Sorri desanimado diante da mesquinha remuneração do seu trabalho e explica simplesmente: “as terras estão cansadas”. Olha em volta, vê algumas magras capoeiras e pensa: “ali estão ainda umas terras gordas”. O machado e foice entram em ação. Remove-se a lenha. Queima-se o resto. [...] A isso teima chamar de prática. Prática não, hábito. E funesto. A êsse mau hábito, eivado de ignorância, preguiça e passividade, se deve a devastação, que cada vez mais se alastra (Souza, 1947, p. 42).

E o autor completa:

Em vez de derrubar as matas ou levar a devastação ao coração virgem do Brasil, muito mais simples e prático será reincorporar essas terras ao patrimônio agrícola, por meio da aplicação correta e inteligente da adubação verde. A terra da pátria já foi o bêrço, a vida e o túmulo de muitas gerações ancestrais, que tinham a ignorância como justificativa da destruição de ricas áreas. A geração presente não pode invocar tal atenuante, pois os segredos da fertilidade já estão quase que totalmente desvendados. Conservar essa fertilidade, deter a devastação do sólo pátrio, são um dever da geração atual, se não quiser ser julgada e condenada pela posteridade, se não quiser entregar um deserto às gerações do futuro (Souza, 1947, p. 54).

No estado de São Paulo, o pesquisador Romeu Inforzato, do IAC, realizou vários estudos com adubos verdes nas culturas do algodão e do café. Em 1947, ele publicou Estudo do sistema radicular de Tephrosia candida D.C. (Inforzato, 1947a), no qual destaca que:

Seria de grande interêsse conhecer a profundidade máxima das raízes de tefrósia, pois estas, translocando alimentos, deixam-nos em boa parte à superfície do solo. Seria de valor determinar o pêso aproximado de todo sistema radicular, pois, morta a planta, as raízes são deixadas como matéria orgânica no solo (Inforzato, 1947a, p. 49).



Figura 2. Gustavo Rodrigues Pereira D´Utra (pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas – IAC) chefiou a instituição de 1898 a 1906.

Capa do livro do professor Carlos Teixeira Mendes.

Em Nota sôbre o sistema radicular de guandu, Cajanus cajan (L.) Millsp., e a sua importância na adubação verde (Inforzato, 1947b), o pesquisador conclui:

Se bem que esta quantidade não seja desprezível, é pequena quando comparada com a matéria orgânica fornecida pelas partes aéreas [...]. Tem, porém, a seu favor, o fato de ser deixada já enterrada no solo, ser distribuída a uma maior profundidade e, pelo apodrecimento, deixar no solo um número elevadíssimo de canalículos, que, sem dúvida, muito concorrem para a melhoria da terra (Inforzato, 1947b, p. 126).

O autor publicou também Feijão guandu, Cajanus cajan (L.) Millsp. e as vantagens de seu emprego na adubação verde (Inforzato; Souza, 1947).



quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Benefícios do uso de adubos verdes

 

Introdução

Com a intensificação da agricultura, duas praticas inadequadas passaram a ser utilizadas em grande parte dos agroecossistemas: o uso intensivo do solo e a ma gestão dos recursos naturais. Uma e outra tem contribuído para o agravamento dos processos de degradação dos recursos naturais, principalmente solo e agua, comprometendo, assim, severamente, a relacao solo-agua-planta-atmosfera, colocando em risco o equilibrio ambiental, impondo dificuldades nas relacoes de sobrevivência harmonica entre os seres vivos (tanto do reino vegetal quanto do animal) e pondo em risco a qualidade de vida das populacoes humanas (Sanchez et al., 1989).

O manejo inadequado dos residuos organicos e do solo diminui o acumulo de carbono (humus) no solo e, consequentemente, concorre para a perda de gases de efeito estufa para a atmosfera (Reicosky; Lindstrom, 1993; Reicosky et al., 1995).

A ocupação irracional das areas rurais e a urgência de produzir alimentos para uma população em crescimento constante, aliadas aos interesses econômicos de lucratividade no setor agrícola, também tem contribuído para o agravamento da degradação ambiental e para o aumento desses desequilíbrios. Essa dinamica tem provocado severas alteracoes nos atributos fisicos, quimicos e biologicos do solo que, somadas a aceleração da mineralização da materia orgânica (com consequente diminuição da fertilidade do solo), tem diminuído o potencial produtivo das regiões agroecológicas do Brasil e do resto do mundo. A essa situacao somam-se questões atinentes ao clima (como temperaturas extremas e ocorrencia de inundacoes ou secas prolongadas), ao ataque de pragas e a exposição a doenças, que tem causado serios riscos a segurança alimentar das populações.

Desde as mais antigas civilizacoes, como a dos romanos, gregos e chineses, o adubo verde já era usado com sucesso (Florentin et al., 2011). Os resultados empiricos eram, entao, desenvolvidos combinando a criatividade com a busca por melhores meios de produção. No entanto, com o advento dos insumos modernos, essa pratica ficou praticamente esquecida. Felizmente, nas ultimas 3 decadas, estudos científicos e experiencias de produtores rurais em varias partes do mundo devolveram a devida importância a essa eficiente pratica. O uso de adubos verdes começou, entao, a retomar espaco sob as mais variadas condições agroecologicas e nos sistemas de produção adotados no mundo, contribuindo, assim, para a manutenção e a melhoria dos atributos físicos (Calegari et al., 2010; Basch et al., 2012), quimicos e biologicos (Bolliger et al., 2006; Calegari et al., 2008) do solo. Isso vem resultando em melhoria dos diferentes sistemas agrícolas de producao, aumento da produção e da produtividade das culturas comerciais, maior racionalidade no uso dos insumos externos e maior equilibrio ambiental, com consequente diminuição da pressão e da ocorrência de pragas, nematoides e doenças nas culturas e no solo.

O conceito de sustentabilidade aplicado a agricultura vale aqui ser explorado. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) (1981 citado por Coutinho et al., 2003, p. 45), “sustentabilidade” e entendida como [...] a capacidade de um sistema de produção de fibras, bioenergia ou alimento em manter por longo prazo a qualidade e a quantidade dos recursos naturais e a produtividade das culturas, minimizar os impactos adversos ao meio ambiente, promover retornos econômicos adequados aos produtores, otimizar a producao com um minimo de insumos externos, satisfazer as necessidades humanas de alimentos e renda e atender as necessidades sociais das famílias e comunidades rurais.

O uso de adubos verdes e a matéria orgânica do solo

A monocultura praticada na chamada agricultura moderna, que utiliza intensivamente herbicidas, inseticidas e fungicidas para controlar pragas e doenças, e aplica grande quantidade de fertilizantes e baixos níveis de matéria orgânica no solo (MOS), inibe, de certa forma, o uso de plantas melhoradoras e recuperadoras dos solos agrícolas. Esse fato tem provocado, em certos sistemas de producao, desequilibrio ambiental em varios niveis, decorrente do baixo grau de diversificacao, e concorrido para diminuir a populacao de organismos antagonicos, os chamados inimigos naturais de pragas e nematoides. Com isso, a agricultura, no mundo inteiro, foi se tornando cada vez mais vulnerável. Essa questão suscita a necessidade de recorrer ao emprego de plantas de cobertura, também conhecidas como adubos verdes.

Os agricultores, em geral, desconhecem os benefícios resultantes da manutenção e do aumento dos teores de MOS. A pratica de monocultura ou o uso persistente da sucessao/sequencia de culturas (como e o caso da soja-trigo e da soja-milho safrinha), a falta de um diagnostico criterioso de todas as condições dos sistemas de produção e a interação entre culturas e pragas, doenças e nematoides comuns, nos diversos sistemas de producao, tem contribuido para que aumentem os problemas de sanidade nas culturas de importancia economica na agricultura brasileira.

Os resultados de pesquisa, aliados a experiencia de produtores com o uso das plantas melhoradoras do solo, tem demonstrado grande potencial de protecao e recuperacao da capacidade produtiva dos diferentes solos agrícolas. Apesar disso, um desafio se apresenta aos produtores: identificar quais esquemas de uso das variadas especies são compatíveis com os sistemas de produção específicos de cada região e, se possivel, dentro dos limites de cada propriedade, considerando os aspectos relacionados a clima, solo, infraestrutura da propriedade e condições socioeconômicas do agricultor. O emprego dessas plantas traz muitos benefícios; alem de conservar ou melhorar a fertilidade, incrementa a produtividade das culturas comerciais, cria condicoes para o aproveitamento de algumas especies como alimentos e/ou forragem aos animais ou para a producao de graos para a comercialização ou a producao de oleo (biodiesel ou outros fins).

Falta, porem, vencer alguns obstaculos que tem contribuido para que muitos produtores não alcancem rendimentos favoráveis estáveis ao longo dos anos: o imediatismo de grande parte dos agricultores; o diagnostico inadequado do uso do sistema produtivo, relacionado ao monitoramento de nutrientes, ao aporte da MOS, ao rendimento das culturas por glebas, e a pouca utilização de coquetéis de plantas de cobertura.

Uso da adubação verde versus uso de insumos nos meios de produção

A agricultura moderna criou, nos mais diversos sistemas de producao, uma excessiva dependencia de insumos externos. Para uma grande parcela dos produtores, a producao agricola depende, exclusivamente, do atendimento das seguintes necessidades: agua (chuvas), sementes, fertilizantes e agrotoxicos (venenos agricolas). Na verdade, a questao e bem mais complexa, sendo inumeros os aspectos a serem considerados na produção agrícola, a comecar por um criterioso diagnostico de todas as condições locais de produção, assim resumido: 1) escolha da area onde sera implantada determinada cultura; 2) ajustes quanto aos atributos fisicos, quimicos e biologicos do solo, envolvendo analises quimicas e fisicas e a avaliação biológica das condicoes locais, para aferir e definir as necessidades de insumos, de descompactação e de correção de acidez do solo, a necessidade de inoculantes (no caso das leguminosas), etc.; 3) manejo da agua; 4) cobertura do solo; 5) controle da erosao; 6) processo de semeadura; 7) tratos culturais; e 8) acompanhamento do desenvolvimento das culturas ate a colheita.

A crenca de que, para alcançar produção e produtividade sustentável, basta recorrer ao emprego de insumos levou a uma forte dependencia de fertilizantes minerais e agrotóxicos, como herbicidas, inseticidas, fungicidas, acaricidas e nematicidas, sem que, antes, se tivesse estabelecido uma discussão ou avaliação criteriosa dos seus efeitos em cada gleba ou talhão, que respeitasse seu histórico de cultura, a rotacao, a sequencia cultural, etc. Ou seja, adotou-se uma visão muito simplista que concentra todas as solucoes de problemas, como incidencia de pragas e doencas, no uso de produtos quimicos.

Outra questão e a limitação dos métodos tradicionais de analise e avaliação da fertilidade do solo. A avaliação química não e suficiente para avaliar o potencial produtivo de areas que contemplem um sistema mais dinâmico, incluindo o uso de plantas de cobertura (adubos verdes) e a rotacao de culturas no sistema plantio direto (SPD) com qualidade. Por isso, e preciso que os estudos se detenham em outros indicadores, como o incremento biologico, a acao de fungos micorrízicos e outros solubilizadores de nutrientes (organismos beneficos do solo) e a elevada produção de ácidos orgânicos e enzimas benefícios as plantas, a microflora e a fauna do solo (que favorecem sobremaneira a disponibilização e o acesso de nutrientes as raizes das culturas), os quais devem ser considerados e avaliados em sistemas dinamicos de producao. Os principais fatores envolvidos no aumento da população de microrganismos solubilizadores de fosforo (P), amonificadores, nitrificadores e fungos micorrízicos são baixas oscilações térmicas entre as temperaturas maximas e minimas, condicoes essas encontradas nas areas com solos cobertos por  residuos das plantas de cobertura (cobertura morta) no SPD.

Ha mais de 6 decadas, Primavesi (2002) ja mencionava que, no futuro, as analises quimicas corriqueiras e tradicionais dariam lugar as analises biológicas ou microbiológicas, as quais melhor iriam expressar o potencial produtivo das areas agricolas. Assim, em diferentes regiões agrícolas brasileiras, experiencias de produtores mostram que as analises quimicas de solo, isoladas, não explicam bem a realidade da producao ou do potencial produtivo das terras agricultáveis.

As diferentes especies de adubos verdes isoladas ou os coqueteis (misturas), adequadamente testados e validados regionalmente nos mais diversos sistemas de producao, tendem a contribuir favoravelmente para um aumento da biodiversidade (Primavesi, 2002; Altieri et al., 2007). Isso se reflete no incremento da população dos organismos antagonicos (inimigos naturais das pragas), diminuindo a pressão de pragas e/ou doencas e nematoides sobre as culturas; nos maiores indices de infiltracao de agua no perfil do solo pelo efeito das raízes e da matéria orgânica adicionada ao solo (Basch et al., 2012); e no aumento da populacao de organismos solubilizadores de P e acidos organicos, que contribuem para maior disponibilidade de nutrientes, quer pela presença de especies que promovem a fixacao biologica, quer pela habilidade das raizes e pelas interações com seus exsudatos na ciclagem dos nutrientes nitrogênio (N), fosforo (P), potassio (K), enxofre (S) e outros (Tiecher et al., 2012a, 2012b).

Alem disso, as plantas de cobertura contribuem, pela adicao continua de seus residuos, para o aumento dos níveis de MOS e principalmente para a mitigação das perdas de gases (dióxido de carbono – CO2 – e oxido nitroso – N2O) para a atmosfera. Combinando o uso de adubos verdes com a rotação de culturas no SPD, promove-se o incremento da biologia do solo (macro, meso e microfauna e flora), que vai promover uma melhoria nos seus atributos (Miyasaka; Okamoto, 1992; Bulisani et al., 1993). Assim, as raizes das plantas, muito similares as hifas de fungos, podem prover a estrutura mecânica para a formação inicial dos macro agregados do solo, ao englobarem as partículas e produzirem os agentes cimentantes (exsudatos radiculares), os quais estimularam a atividade microbiana (Jastrow; miller, 1998). Outro mecanismo comum de formação de macroagregados e a atividade da fauna do solo, principalmente minhocas (Blanchart et al., 1997), formigas e cupins (Marinissen; Dexter, 1990).

Alem de sua participação na formação de macroagregados, as minhocas contribuem para uma maior disponibilidade de nutrientes e a consequente melhoria da fertilidade química dos solos.

Em relação ao plantio convencional, observa-se, no SPD, maior quantidade de biomassa microbiana e abundancia de minhocas (Doran, 1980, 1987). Alem disso, em geral, o SPD favorece mais as populações de fungos do que as de bactérias (Beare et al., 1993; Frey et al., 1999; Drijber et al., 2000), produzindo uma relacao de glucosamina (derivada de fungos) maior do que a de acido murâmico (derivado de bacterias) (Frey et al., 1999; Guggenberger et al., 1999). A estabilização preferencial de fungos sobre a biomassa bacteriana pode levar a uma ciclagem mais eficiente do carbono (C) e do N (Beare et al., 1992; Frey et al., 1999).

Quanto ao manejo de plantas invasoras, o uso adequado dos adubos verdes e de seus resíduos, em razão dos seus efeitos fisicos (formacao de cobertura morta, sombreamento) e quimicos (alelopatia), afeta qualitativa e quantitativamente distintas infestações de especies invasoras (Teasdale et al., 2007). Por isso, estimula-se maior utilização de especies que promovam esses benefícios – como milheto [Pennisetum glaucum (L.) R. Brown], crotalaria (principalmente das especies Crotalaria juncea e C. ochroleuca), guandu [Cajanus cajan (L.) Millsp], mucuna-cinza (Mucuna nivea (Roxb.) DC. ex Wight & Arn, syn. Stizolobium niveum Kuntze), mucuna-preta [Mucuna aterrima (Piper & Tracy) Holland], calopogonium (Calopogonium mucunoides), feijao-de-porco (Canavalia ensiformis), aveia-preta (Avena strigosa Schreb), centeio (Secale cereale), azevem (Lolium multiflorum), ervilhaca (Vicia sp.) e nabo-forrageiro (Raphanus sativus) – no controle de diferentes especies de plantas invasoras. E importante usar e manejar essas especies em rotação quando se pretende diminuir populações de algumas invasoras com um minimo de agressão ao meio ambiente.

Diante disso, confirma-se a necessidade de diagnosticar todos os componentes englobados no sistema de producao – tais como os aspectos relacionados as culturas, ao solo, a agua, ao nivel de organismos do solo, as especies invasoras, as maquinas, a infraestrutura do produtor e aos objetivos pretendidos –, sob o risco de cometerem-se erros, ou subestimando ou superestimando os diversos componentes, o que pode induzir o uso indiscriminado ou excessivo de insumos externos aos meios de produção.

Ocorrência de doenças em áreas sob manejo com adubos verdes

O principio de controle de pragas e doenças adotado pelo sistema de rotacao de culturas (incluindo o uso de plantas de cobertura) baseia-se em eliminar ou suprimir o substrato para o inseto ou patógeno. A ausencia dos residuos da planta anual cultivada leva a redução populacional ou a erradicação dos organismos de uma determinada area e época do ano, principalmente quando se trata de pragas que se alimentam ou infectam exclusivamente uma unica especie de planta.

No SPD, a totalidade dos resíduos culturais e deixada na superfície do solo. Nessa situacao, a taxa de decomposição e mais lenta, o que aumenta o periodo de sobrevivencia dos patogenos.

Assim, o inoculo encontra condição ideal para a esporulação, a liberação e a inoculação.

A nova cultura emerge entre os resíduos infectados. Dessa maneira, no SPD, as doencas causadas por patógenos necrotrofos, ou seja, aqueles que possuem a habilidade de nutrir-se de tecidos mortos (habilidade saprophyticus), sao favorecidas. Esses fungos desenvolvem-se mesmo apos a morte do hospedeiro e podem ser mais severos sob plantio direto e com cultivo minimo do que em convencional, pois a nova cultura podera ser plantada sobre os residuos de outra especie nao hospedeira. Rotações com culturas não hospedeiras reduzem a pressão de seleção dos patógenos de solo específicos, inibindo o desenvolvimento de grandes populações. Na ausencia do hospedeiro suscetível, a população declina e morre. Assim, a rotação de culturas funciona mais como efeito preventivo do que curativo (Fries; Aita, 1999).

A rotacao de culturas (não apenas com culturas comerciais, mas também com adubos verdes de diferentes famílias) no SPD e um meio eficiente de aumentar a biodiversidade (Calegari et al., 2008; Florentin et al., 2011) e diminuir a ocorrência ou impedir o aumento das populações de pragas e doenças, incluindo nematoides, pela falta de um habitat e pela interrupção do ciclo desses organismos no solo (Nazareno; Mehta, 2006).

A rotação de culturas age durante a fase de sobrevivencia do patogeno, quando ele e submetido a uma intensa competicao microbiana (na qual geralmente leva desvantagem) e corre o risco de não encontrar o hospedeiro (o que lhe determina a morte por desnutricao). Isso ocorre no periodo entre dois cultivos, durante a fase saprophyticus, quando o patogeno extrai nutrientes de various substratos mortos. Por seu turno, os patogenos biograficos (que se alimentam de tecidos vivos) nao sao afetados pela rotação, porque são dependentes de seus hospedeiros vivos (ferrugens, oidios) (Reis, 1991; Paula Junior et al., 2004; Reis et al., 2004).

Os patógenos necrotróficos sao diretamente influenciados pelo sistema sequencial de culturas; contrariamente, sob monocultura, esses sao realimentados e, portanto, mantidos num potencial de inoculo suficiente para dar continuidade ao seu ciclo biologico. Quando coincide a liberação do inoculo com a presença do hospedeiro, restabelece-se o parasitismo. Nesse momento, o resíduo cultural não e mais uma fonte de inoculo primario importante, pois o patógeno já foi introduzido no cultivo. A cultura principal podera retornar a area quando os patógenos necro troficos, controláveis pela rotação de culturas, forem eliminados ou reduzidos a um nivel de inoculo muito baixo. Isso ocorre apos a decomposição completa dos resíduos (mineralizacao da materia organica).

Nas regiões agrícolas produtoras, tem-se observado, por exemplo, que a ocorrencia de doencas no solo – as podridoes-radiculares (causadas por Fusarium sp., Rhizoctonia sp. e outras) e algumas pragas e nematoides em diversas culturas (tais como soja, milho, feijão e algodão) – e avaliada buscando-se o controle, em grande parte dos casos, por meio do uso de produtos pulverizados.

Muitas vezes, tem-se conseguido o controle; entretanto, alem de controlar o inimigo (praga, doenca), elimina-se grande parte dos organismos antagónicos (que sao os inimigos naturais das pragas). Como se percebe, esse nem sempre e o caminho sustentável de manejo, muitas vezes contribuindo para o desequilíbrio dos sistemas produtivos. Basta observar, por exemplo,a crescente infestação de populações de nematoides no Rio Grande do Sul, no Parana, em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul, em Minas Gerais, em Goias e na Bahia, que abrigam diferentes culturas de importancia economica, como soja, milho, algodão e feijão. O uso intensivo de fungicidas e inseticidas no tratamento de sementes e doenças das culturas (como a ferrugem da soja) tem, indiretamente, contribuído para a diminuição dos inimigos naturais e, consequentemente, para o desequilibrio ambiental, aumentando a ocorrência desses organismos indesejáveis nos sistemas produtivos.

Em geral, as condições de seca e alta temperatura influenciam negativamente o crescimento populacional de nematoides, enquanto a maioria das plantas invasoras multiplica diferentes especies desse parasita. O ideal e que, em vez de deixar multiplicarem-se as populações de invasoras numa determinada area, procurar substitui-las por determinadas especies de plantas de cobertura. As vantagens auferidas incluem a melhoria dos atributos (quimicos, fisicos e biologicos) do solo, bem como a diminuição das populações de fitonematoides do solo.

Conforme Paula Junior et al. (2004), nas regiões de cultivo de feijoeiro irrigado, depois do aumento da produtividade nos primeiros anos, tem-se observado uma reducao paulatina no decorrer das safras, em virtude dos seguintes fatores: a) rotacao de culturas inadequada, com o consequente aumento da incidência e severidade de doenças; b) surgimento de novas doenças, como sarna-comum (Streptomyces scabies) e carvão da aveia (Ustilago scitaminea); c) compactacao do solo; d) desequilibrio nutricional; e f) salinização do solo. Muitos produtores tentam minimizar o problema com doses macicas de fertilizantes e aplicação excessiva de defensivos quimicos. Geralmente, os patógenos de solo mais comumente isolados das areas irrigadas sao: mofo-branco (Sclerotinia sclerotiorum), murcha de fusário ou tombamento (Fusarium oxysporum f. sp. phaseoli), podridao-radicular-seca (Fusarium solani f. sp. phaseoli), podridao-cinzenta do caule (Macrophomina phaseolina), podridao-radicular (Rhizoctonia solani) e podridao do colo (Sclerotium rolfsii). Entre as medidas de controle, a rotação de culturas e uma das mais apropriadas.

Ela deve ser empregada especialmente para patogenos invasores (nao habitantes) do solo, por pelo menos 18 meses, embora seja recomendada também para o manejo de habitantes do solo, os quais geralmente produzem estruturas de sobrevivência. Para estes ultimos, o feijão não deve ser incluido na rotação pelo período de 4 ou 5 anos.

Algumas caracteristicas dos patogenos habitantes do solo podem limitar a utilizacao da rotacao de culturas. Por exemplo, R. solani apresenta grande capacidade de competição saprofítica; ja F. spp., S. rolfsii, S. sclerotiorum e M. phaseolina produzem as proprias estruturas de sobre vivencia. Desses patogenos, ha muitos que tem uma vasta quantidade de hospedeiros, como S. sclerotiorum, que pode causar doenca em mais de 400 especies de plantas, como algodao, batata, canola, cenoura, ervilha, girassol, soja, tomate e trevo. Ja no caso de gramineas, como trigo, milho e milheto, a rotação e a estrategia mais recomendada (Paula Junior et al., 2004). Quando se implementa a rotação com culturas não hospedeiras, o patogeno deixa de dispor de fonte nutricional para sobreviver ou multiplicar-se.

Entre as principais vantagens do uso da palhada da braquiária [Urochloa brizantha  (syn. Brachiaria brizantha)], seja no SPD, seja no sistema de integração lavoura-pecuária (Alves et al., 2008), destacam-se: 

a) boa capacidade de conservacao de agua; 

b) menor amplitude termica;

c) maior tempo de cobertura do solo em razao da lenta decomposição de seus residuos;

d) controle e minimização de algumas doenças, como o mofo-branco, a podridão-radicular-seca ou podridão por Fusarium e a podridao por Rhizoctonia (acao isolante ou alelopático causada pela microflora do solo sobre os patogenos); e e) maior capacidade de supressão física das invasoras, o que pode reduzir ou ate mesmo tornar desnecessario o uso de herbicidas pos-emergentes (Lemos; Farinelli, 2008, 2010).

Trabalhos de pesquisa mostram que a braquiária em consorcio com o milho (Kluthcouski et al., 2003), com o decorrer dos anos ou com o uso continuo, pode induzir a supressão geral de R. solani e F. solani f. sp. phaseoli ou servir como barreira física a disseminação do mofo- -branco, quando essa doença for proveniente de ascosporos originados do inoculo no solo (Costa; Rava, 2003). Entretanto, se for constatada a presença do nematoide Pratylenchus brachyurus, a braquiaria devera ser eliminada, pois e hospedeira desse nematoide. Assim, pode causar serios problemas as culturas de soja, milho, feijao, algodao, trigo, cevada e cafe, entre outras. Deverao, pois, ser utilizadas plantas de cobertura em rotacao que apresentem fator de reprodução (FR) zero ou menor que 1, tais como: crotalarias (C. spectabilis, C. ochroleuca e C. breviflora), guandu-anao cv. Iapar-43 [Cajanus cajan (L.) Millsp], guandu-gigante [Cajanus cajan (L.) Millsp] e milheto ADR-300 [Pennisetum glaucum (L.) R. Brown].

Ocorrência de pragas em áreas sob manejo com adubos verdes

Diversificar o emprego alternado de especies de plantas de cobertura em sequencias ordenadas com culturas comerciais favorece o crescimento de maior diversidade de organismos (conforme as condicoes de solo, tipo de solo, fertilidade, clima, etc.), entre os quais os inimigos naturais, ou seja, insetos e outros organismos benéficos a cultura. Dessa forma, as plantas oferecem habitat natural para os insetos beneficos, e o uso de faixas de vegetação natural proximas as areas de cultivo favorece a reproducao dessas especies, alem de aumentar as populacoes de organismos antagonicos as pragas, contribuindo, assim, para maior biodiversidade e maior controle biológico natural.

No manejo do solo, em condições em que a calagem e a aplicação de nutrientes nao estão equilibradas e o sistema de preparo do solo e inadequado, a maioria dos efeitos benéficos da rotação e minimizada ou não potencializada, acarretando problemas de erosao, maior probabilidade de ocorrência de pragas e doenças, alem de resultados anti economicos (Resck, 1993). Dessa forma, observa-se que o manejo de solos, agua e culturas ocorre de forma interativa e equilibrada.

Diversos fatores devem ser considerados e seguidos para que sejam alcancados os resultados positivos almejados, como: menor risco de ataque de pragas, sinergismo e desenvolvimento de um agroecossistema equilibrado, conforme sugerido por Altieri et al. (2007) (Figura 1).

Geralmente, pragas e doenças atacam preferencialmente plantas malnutridas e/ou com níveis de nutrientes desequilibrados, ou, entao, culturas que crescem em ambiente onde haja algum desequilíbrio. Assim, o bom suprimento de nutrientes, que propiciam vigor as plantas, e a diversificação de especies na area de cultivo sao fundamentais para conferir maior resistência as plantas.

O continuo uso de monoculturas, aliado a aplicacao excessiva de produtos quimicos, muitas vezes tem provocado desequilibrio nos sistemas produtivos. Um exemplo tipico observado nas regiões produtoras de soja, principalmente nos Cerrados, e o aumento das populações de lagartas-da-soja, como e o caso da lagarta-falsa-medideira (Pseudoplusia includens). Considerada antigamente como praga secundaria da soja, essa lagarta, atualmente, ja e tida como praga principal.

A aplicação exagerada de inseticidas sem critério técnico, no inicio do desenvolvimento da soja, nao obedecendo aos níveis de dano indicados e preconizados no manejo integrado de pragas, tem afetado negativamente as populacoes dos inimigos naturais. Segundo Clara Beatriz Hoffmann-Campo, esses, principalmente os parasitoides, como as vespinhas – Copidosoma sp. –,controlam naturalmente as populacoes da lagarta-falsa-medideira (informacao verbal)1. Ademais, a pesquisadora afirma que o uso de fungicidas não seletivos para o controle da ferrugem-asiática da soja também aumenta os problemas com a lagarta-falsa-medideira, por reduzir a incidencia das doenças fungicas, como a doença-branca e a doença-marrom, que controlam naturalmente a lagarta-falsa-medideira.

Quando se cultivam, por varios anos, especies susceptiveis a nematoides, eles tendem a aumentar, podendo causar danos econômicos as culturas comerciais. Geralmente, o fato esta associado a degradação do solo (principalmente com a diminuição dos níveis de MOS e a presenca de monoculturas). Assim, para viabilizar o plantio de culturas comerciais, e preciso controlar as populacoes desses fitoparasitas. Nesse contexto, as plantas de cobertura destacam-se entre as outras medidas de controle, como rotação com outras culturas de baixa suscetibilidade e variedades resistentes (Calegari, 2009). O manejo que promove aumento da MOS, principalmente pelo acumulo de residuos, incrementa a atividade biologica, aumentando o numero de especies de organismos, o que conduz a um melhor equilíbrio natural, evitando a predominancia de determinada(s) especie(s) de organismo(s), o que poderia, em algum momento, resultar em prejuízo para determinado cultivo.

Solos que apresentam elevados teores de materia organica e alta atividade biológica geralmente apresentam boa fertilidade (ou tem grande potencial para isso), complexas redes troficas e organismos benéficos que previnem infeccoes radiculares. Por sua vez, praticas agrícolas que causam instabilidade nutricional ou diminuição da biodiversidade podem predispor as plantas a maior suscetibilidade ao ataque de pragas e doenças (Magdoff; Van Es, 2009), enquanto outras praticas, como o uso de adubos verdes, as rotações de culturas e/ou a preservação de insetos benéficos (que também estão relacionados ao incremento da biologia e da fertilidade do solo, com consequente aumento da biodiversidade), promoverão a diminuição das populações de pragas (Primavesi, 2002; Altieri et al., 2007). Phelan et al. (1995) enfatizam que um baixo numero de insetos-praga encontrados em sistemas de produção orgânica pode advir, em parte, de resistencias mediadas por diferencias quimicas e de nutricao mineral. Esses resultados fornecem evidencias que reforcam a ideia de que o manejo da MOS, a longo prazo, pode melhorar a resistência de plantas a insetos-praga. Isso e confirmado por estudos recentes sobre as relacoes entre os componentes que estão sobre e no solo dos ecossistemas, os quais sugerem que a atividade biológica no solo e, provavelmente, muito mais importante do que se reconhece hoje para determinar respostas individuais das plantas aos estresses causados pelos insetos (Blouin et al., 2005).


Efeito sinérgico de sistemas integrados e diversificados de produção

Innúmeras experiencias de agricultores, somadas aos resultados obtidos por pesquisas, mostram que o sistema de agricultura de conservacao (que inclui o emprego de adubos verdes adequadamente integrados em rotação de culturas no SPD com qualidade, depois de adaptados  regionalmente) e importante porque tende a interferir positivamente em diferentes aspectos, como:

• Promove melhor conservacao e recuperacao dos solos, tendendo a desenvolver um sistema sustentável de produção.

• Facilita a distribuição do trabalho durante todo o ano agrícola, levando a uma economia de mão de obra e a um menor consumo de energia.

• Permite maior diversificação com menores riscos de ataques de pragas e/ou incidência de doenças.

• Possibilita melhor aproveitamento da umidade do solo, com diminuição da frequência de irrigação.

• Contribui para uma adequada redistribuição (aproveitamento e equilibrio) dos nutrientes no solo, proporcionando um aumento da capacidade produtiva.

• Favorece a diminuição dos custos de produção.

• Contribui para maior estabilidade de produção.

• Conduz, geralmente, ao aumento dos rendimentos das diferentes culturas e, consequentemente, a tendencia de aumento da renda liquida da propriedade e perspectivas de melhoria na qualidade de vida dos produtores.

Nas mais diversas regioes brasileiras, em distintos sistemas agroecologicos contingenciados em termos de clima e de solo, verifica-se que adubos verdes nem sempre sao usados de forma compatível com as adequadas sequencias de culturas. Na maioria das vezes, isso se deve, em parte, a falta de informações e experiencias regionais comprovadas (nas regioes de recente exploração agrícola, isso tende a ocorrer com mais frequência). Alem disso, muitos produtores desconhecem as melhores opções de rotação, as quais devem sempre estar associadas ao diagnostico das areas cultivadas, em termos de nutrientes (aspectos químicos) e atributos fisicos e biologicos do solo (presença ou não de patógenos que possam comprometer o desempenho das culturas), e, em muitos casos, a indisponibilidade de sementes de adubos verdes de origem idonea.

O conhecimento prévio do histórico da area, o acompanhamento criterioso das atividades realizadas – manejo ou nao do solo, uso de calagem e adubação (quimica e organica), tratos culturais (fitosanitarios) – e o histórico do rendimento das culturas são fundamentos indispensáveis ao estabelecimento de esquemas de rotacao de culturas ajustados regional e localmente.

Os esquemas de rotação dependem da região em questão, do tipo de solo, do clima, do manejo empregado, das características dos talhões e da infraestrutura da propriedade. Por sua vez, a rotação de culturas em propriedades diversificadas depende de um planejamento ordenado e de uma criteriosa adequação temporal e espacial das atividades.

Monitorar, rotineiramente, as areas com rotação de culturas e um procedimento crucial para garantir o sucesso do sistema. Independentemente da distribuição espacial das culturas, planejar racionalmente a propriedade, a curto, medio e longo prazos, faz-se necessário para que a implementação seja técnica, ecologica e economicamente viavel. O uso adequado da rotação de culturas previne o impacto ambiental causado, em algumas situações, pela excessiva degradação dos solos, consequencia do uso abusivo de agrotoxicos, da adoção da monocultura e do desnecessário e excessivo preparo do solo.

O efeito básico dos adubos verdes e da rotação de culturas nas doenças de solo e plantas baseia-se na supressão do hospedeiro (substrato nutricional). A inexistência do hospedeiro reduz o patógeno que, para viver, depende dele. Quanto as pragas, a diversificação de culturas tende a promover maior equilíbrio ambiental, gracas ao maior numero de inimigos naturais, e, consequentemente, concorre para a diminuição da ocorrência de ataques. E do conhecimento geral que os solos devem ser preservados para que continuem produtivos e sustentáveis ao longo do tempo. A diversificação do emprego de especies de adubos verdes em sequencias ordenadas, com culturas comerciais, favorece o incremento da populacao de diferentes organismos, entre os quais os inimigos naturais, ou seja, insetos e outros organismos benéficos (micorrizas e outros organismos solubilizadores de nutrientes) que promovem a bioativação do solo (Balota et al., 2004). Dessa forma, as plantas oferecem habitat natural para insetos beneficos. Ademais, o uso de faixas de vegetação natural próximas as areas de cultivo favorece a reproducao dessas especies, o que resulta em aumento das populações de organismos antagônicos as pragas, contribuindo, assim, para ampliar a biodiversidade e o controle biologico natural.

Conforme Altieri et al. (2007), esses resultados tem melhorado o entendimento sobre o papel da biodiversidade na agricultura e as estreitas relações entre a biota encontrada sobre e sob a camada superficial do solo, sendo base para o desenvolvimento de estrategias em bases ecológicas, que combinam maior diversificação de culturas com incremento da qualidade do solo. Em suma, o uso de rotação de culturas e de plantas de cobertura (melhoradoras e recondicionadoras dos atributos do solo) no SPD ajuda a equilibrar as relacoes solo-agua-planta (ambiente como um todo) e, consequentemente, estimula a producao sustentavel de alimentos, fibras e energia em harmonia com a natureza.

Considerações finais

Manter os sistemas de producao equilibrados de forma que sejam produtivos, competitivos e sustentáveis ao longo do tempo e um dos mais importantes objetivos da agricultura moderna.

Por isso, devem-se identificar sistemas que permitam integrar e contribuir para alcancar maior biodiversidade, diversificação na produção, equilibrados uso, reciclagem e aproveitamento de nutrientes, manutenção e/ou recuperação dos atributos (quimicos, fisicos e biologicos) do solo e diminuição dos riscos e perdas por ataque de pragas e doenças. A integração das praticas ordenadamente sistematizadas, que privilegiem o aumento dos níveis de matéria orgânica e da biodiversidade do solo, promovera avancos nao apenas na agricultura como um todo, como também nas condições socioeconômicas dos produtores rurais.

O uso de adubos verdes (plantas de cobertura) conduzido em rotação de culturas no SPD, com qualidade e adaptado regionalmente, traz grandes beneficios: a) permite melhor distribuição do trabalho durante todo o ano; b) economiza mao de obra; c) ajuda a controlar as invasoras, principalmente por efeito de coberturas e rotações; e d) favorece o incremento da biologia do solo (macro, meso e microfauna e flora), promovendo, assim, maior biodiversidade e melhor equilíbrio ambiental, com menos ocorrência de pragas e doenças. Esse sistema reduz acentuadamente as perdas de solo, promove aumento da infiltração e do armazenamento de agua no solo, melhoria da fertilidade do solo, em razao de uma maior reciclagem de nutrientes, maior diversidade, aumento no rendimento das culturas e melhor estabilidade de produção, alem de possibilitar o uso racional e constante da terra com o emprego minimo de insumos externos. Comprova-se, assim, que o uso de adubo verde e uma forma eficiente e eficaz de producao continua em sistemas sustentáveis.

 O manejo sustentável do solo e das diferentes culturas devera ser pautado por um diagnostico de qualidade, ou seja, que considere todos os atributos químicos, fisicos e biologicos de uma determinada area a ser cultivada, e que cheque, in locu, possíveis limitações, desafios e/ou problemas relacionados a compactação do solo, a deficiencia de nutrientes, a ocorrencia de pragas e/ou doenças radiculares, e a nematoides. E, entao, numa visao holistica, buscar integrar ferramentas que harmonizem o manejo do solo com o das culturas:

• priorizando o uso de produtos biologicos e intervencoes com produtos que provoquem o minimo de destruicao possivel das populações de inimigos naturais das pragas;

• inserindo o uso adequado de diferentes especies de plantas de cobertura;

• incrementando a rotacao de culturas, no sistema plantio direto com qualidade, conduzindo a uma maior biodiversidade e bioativacao de solos e plantas;

• aumentando a microbiota do solo e, assim, a disponibilizacao e o uso racional de nutrientes e insumos;

• desenvolvendo uma agricultura de processos, e nao de produtos, que conduza a um maior equilíbrio nos sistemas de producao, ou seja, a maiores produtividades com menores custos de producao, de forma sustentavel.


domingo, 16 de julho de 2023

Evolução dos conceitos de adubação verde

 

A adubação verde – prática agrícola de conservação do solo – é conhecida e utilizada desde antes da Era Cristã para recuperar os solos degradados pelo cultivo, melhorar os solos naturalmente pobres e conservar aqueles produtivos. Com a Revolução Verde, a partir dos anos 1960, a adubação verde perdeu, temporariamente, sua importância com o surgimento e desen­volvimento de máquinas, equipamentos e insumos modernos. No entanto, a partir dos anos 1980, foi exatamente com o uso dos adubos verdes que a agricultura deu um salto de qualidade. Os adubos verdes tornaram-se componentes fundamentais em arranjos de sucessão e rotação de culturas, que viabilizam tanto o sistema plantio direto quanto a integração lavoura-pecuária e os sistemas agroecológicos de produção. 

Em razão do número de espécies já conhecidas e de suas respectivas características agro­nômicas e fenológicas, os adubos verdes podem ser cultivados de inúmeras maneiras, nos mais diversos tipos de arranjos e configurações, para viabilizar o uso e o manejo sustentável do solo e a produção de alimentos de qualidade. 

O presente capítulo tem por objetivo discutir a evolução dos conceitos de adubação verde, bem como caracterizar as várias modalidades de cultivo dos adubos verdes no Brasil. 

Evolução dos conceitos de adubação verde 

O cultivo de plantas para a recuperação de solos degradados é uma prática agrícola de conhecido efeito benéfico ao solo, cujo resultado era mostrado na abundância da colheita da safra seguinte, desde 5000 a.C. Nos relatos escritos por chineses, gregos e romanos, sempre ficou evidente a necessidade da incorporação do adubo verde para promover o seu efeito (Souza; Pires, 2002; Amabile; Carvalho, 2006). Catão, Columela, Plínio, Varrão, Virgílio e Teofrastus fizeram referências ao emprego das leguminosas para adubação verde, mencionando a preferência por essas espécies (Kiehl, 1960). 

No primeiro documento que se tem registro oficial no Brasil, D’utra (1919, p. 1) já relatava 

[...] o efeito melhorador das culturas de enterrio [...], mas que [...] o êxito desse efeito e a importância prática dos adubos verdes depende do estudo e da escolha das espécies a cultivar, das caracterís­ticas edafoclimáticas e das circunstâncias econômicas de cada local e da cultura que se pretende beneficiar. 

Essa afirmativa já era um alerta para técnicos e agricultores quanto à necessidade de conhecer detalhadamente cada espécie cultivada para que fosse empregada da melhor forma possível. 

Em 1959, Kiehl lançou dois conceitos que ficaram conhecidos e foram amplamente aceitos até os anos 1980. Denominou adubo verde como “[...] a planta cultivada ou não, com a finali­dade precípua de elevar a produtividade do solo com a sua massa vegetal, quer produzida no local ou importada” (Kiehl, 1960, p. 1). Segundo o autor, a adubação verde caracteriza-se por ser “[...] a prática de se incorporar ao solo massa vegetal não decomposta, de plantas cultivadas no local ou importadas, com a finalidade de preservar e/ou restaurar a produtividade das terras agricultáveis” (Kiehl, 1960, p. 1). 

Miyasaka (1984), que ratificou e ampliou tal conceito, afirma que a adubação verde é a prática de incorporação de espécies vegetais ao solo, tanto de gramíneas quanto de outras, naturais ou cultivadas, nas terras em alqueive. No entanto, ele registrou que o uso de leguminosas constituía a prática mais racional e difundida para essa finalidade. 

Com base nessas definições, pode-se dizer que estava implícita nesses conceitos uma “visão química”, cujo requisito era a incorporação da massa vegetal (fitomassa) ao solo, com o objetivo de melhorar a sua fertilidade (propriedades químicas do solo = reciclagem de nutrientes e recuperação dos níveis de matéria orgânica do solo). 

As plantas utilizadas para esse fim recebiam as seguintes denominações: adubo verde (português), green manure (inglês), gründünger (alemão), abonos verdes (espanhol), engrais vert (francês), entre outras. Já a prática do cultivo dessas plantas era denominada adubação verde (português/Brasil), green manuring (inglês), gründüngung (alemão), sideração (português/ Portugal) e fumage vert (francês). 

A Revolução Verde, implementada a partir dos anos 1960, promoveu a modernização da agricultura brasileira, uma vez que colocou à disposição dos agricultores sementes melhoradas, fertilizantes e corretivos, defensivos, máquinas e equipamentos agrícolas. Esse conjunto de in­sumos, ditos modernos, intensificou o processo produtivo e proporcionou a ampliação da área cultivada e o aumento da produtividade das culturas no País. No entanto, apesar dos benefícios alcançados, a Revolução Verde trouxe vários inconvenientes: o uso inadequado e o revolvimento excessivo do solo pelas máquinas, que provocou a desestruturação (pulverização) da camada superficial; o aparecimento de camadas compactadas na subsuperfície e a diminuição dos níveis de matéria orgânica, resultando em elevadas taxas de erosão e, finalmente, em degradação do solo. 

Na busca de soluções para esses problemas, agricultores e técnicos valeram-se de ensi­namentos antigos, além de observações e resultados de pesquisa de outros países. Apesar de a maioria dos relatos antigos sobre adubação verde deixarem claro o procedimento do enterrio da massa vegetal não decomposta, Marcus Terentius Varro, ano 36–26 a.C., em seu tratado Rerum Rusticarum, lançou, pela primeira vez, o conceito de sustentabilidade, registrando que “[...] a agricultura é uma ciência que nos ensina que culturas devem ser plantadas em cada tipo de solo, e que operações devem ser feitas para a terra produzir os rendimentos mais altos perpetuamente” (Conway, 2003, p. 193). Nesse mesmo documento, Varro ainda referiu-se a “[...] algumas plantas que também devem ser plantadas, não tanto pelo retorno imediato, mas tendo em vista o ano seguinte, pois cortadas e deixadas sobre o solo, elas o enriquecem” (Conway, 2003, p. 269). 

Borst e Woodburn (1942) demonstraram, pela primeira vez, a eficiência da cobertura do solo, com palha, na redução da erosão e registraram que essa prática poderia controlar a erosão em até 95%. 

Hull (1951, p. 181) já comentava que, “[...] à exceção dos declives extremamente suaves, é infalível de ocorrer perdas devido à erosão pela água se o solo não for protegido por uma cober­tura vegetal”. Para tanto: 

[...] qualquer cultivo, enquanto funcionar como cobertura fechada do solo, é considerada como cul­tura-de-cobertura, tenha ou não sido plantada para esse fim. A acepção mais usual da expressão é, entretanto, algo mais restrita e definida, limitando-se às culturas plantadas com o objetivo precípuo de conter a erosão do solo, acrescentar-lhe matéria orgânica e aumentar a sua fertilidade (Hull, 1951, p. 181). 

Apesar de incorporar o termo cobertura do solo para o controle da erosão, preocupação não definida claramente dentro do conceito anterior, Hull (1951) recomendava o manejo das plantas de cobertura com arado para incorporá-las como adubo verde. 

No Brasil, os primeiros resultados de pesquisa que mostraram o efeito positivo da cobertu­ra do solo, com resíduos de culturas na redução da erosão, datam da década de 1970, no Paraná e, logo após, no Rio Grande do Sul. 

Visto que era necessário proteger o solo durante o período de ocorrência das chuvas mais erosivas, período esse coincidente com a época de preparo do solo e da semeadura das culturas de verão, agricultores e técnicos da região Sul do Brasil passaram a viabilizar um novo sistema de cultivo do solo. Esse sistema estava baseado em três princípios fundamentais: a cobertura permanente da superfície, o não revolvimento do solo e a rotação de culturas. Para isso, foi necessário evitar a queima da palha das culturas de inverno (trigo, por exemplo), evitar o preparo do solo mecanicamente, adaptar as máquinas semeadoras à nova realidade e incorpo­rar, definitivamente, a prática da rotação de culturas para viabilizar o cultivo de outras culturas comerciais em sequência planejada de cultivo e de plantas para cobrir o solo, em especial, com a sua palha (cobertura morta). Na busca pelo aumento da quantidade de palha sobre o solo e, por conseguinte, de cobertura para diminuir as perdas por erosão e recuperar os solos degradados pelo preparo inadequado, inúmeros trabalhos de introdução de espécies de adubos verdes de inverno e verão foram iniciados a partir de meados da década de 1980 (Mondardo et al., 1982; Derpsch et al., 1984; Wildner, 1990). 

Monegat (1981), com base nas experiências exitosas de técnicos e agricultores familiares da região oeste de Santa Catarina, lançou as bases do cultivo mínimo do milho (Zea mays L.). Nesse sistema, a ervilhaca-comum (Vicia sativa L.), usada como adubo verde, era manejada com o uso de um arado de tração animal (arado “fuçador”). Nessa operação, parte da cobertura verde era incorporada e parte afastada para os lados. Na área entre os sulcos, a ervilhaca-comum permane­cia vegetando até o final do ciclo, enquanto o milho, nas linhas, após a semeadura, desenvolvia-se normalmente. 

Em 1991, Monegat, lança o livro Plantas de cobertura do solo: características e manejo em pequenas propriedades, um marco para a viabilização de sistemas conservacionistas de solo, não só para propriedades familiares, mas para qualquer tamanho de propriedade agrícola (Monegat, 1991). 

A nomenclatura dos adubos verdes sofreu alterações em vários idiomas: em português, passou de adubos verdes para plantas de cobertura do solo; em espanhol, de abonos verdes para cultivos de cobertura; em inglês, de green manure para soil cover crops; em alemão, de gründünger para bodenbedeckungspflanzen; em francês, de engrais vert para plantes de coverture du sol. Já a prática passou de adubação verde para cobertura do solo (português/Brasil); de green manuring para soil cover (inglês); de gründüngung para bodenbedeckungs (alemão); de sideração para alfom­bra (português/Portugal); de fumage vert para coverture du sol (francês); e para cobertura de suelo (espanhol). 

Nesse novo conceito, foi dado um “enfoque físico”, pela presença da palha sobre a superfí­cie do solo (cobertura morta, cobertura do solo), minimizando o risco da erosão, e também pelo efeito secundário, durante a sua decomposição, na recuperação dos atributos físicos do solo, em especial da estrutura do solo. 

Em meados dos anos 1990, agricultores e técnicos passaram a discutir a viabilidade da integração lavoura-pecuária em virtude dos seguintes fatores: a consolidação do sistema plantio direto no Brasil, a incorporação da importância dos atributos biológicos do solo e, sobretudo, o desafio de diversificar as atividades agrícolas na propriedade e diminuir os custos de produção. Dessa forma, as espécies vegetais anteriormente usadas apenas como adubos verdes (plantas de cobertura do solo) passaram também a ser utilizadas como forragem para alimentação animal (ou, quem sabe, as plantas, originalmente forrageiras, utilizadas como adubos verdes e plantas de cobertura do solo, passaram também a ser utilizadas dentro de sua verdadeira vocação). 

Em 1992, um novo e amplo conceito de adubação verde foi lançado: 

[...] a utilização de plantas em rotação, sucessão ou consorciação com as culturas, incorporando-as ao solo ou deixando-as na superfície, visando a proteção superficial bem como a manutenção e melho­ria das características químicas, físicas e biológicas do solo, inclusive a profundidades significativas. Eventualmente, partes das plantas utilizadas como adubos verdes poderiam ter outras destinações como, por exemplo, produção de sementes, fibras, alimentação animal, etc. (Costa et al., 1992, p. 3). 

Esse novo conceito passou a ter uma “visão integral ou holística”, e atendia às demandas do solo (proteção e recuperação física, química e biológica), dos animais (forragens), do homem (alimentação, fibras, etc.) e do meio ambiente (diminuição dos impactos ambientais da agricultu­ra e o sequestro de carbono – C). 

A partir desse período, os adubos verdes (plantas de cobertura) ganharam maior impor­tância também pela grande expansão dos sistemas agroecológicos de produção, cujo objetivo era eliminar o uso de insumos externos à propriedade tanto para a adubação dos sistemas quanto para o manejo de plantas espontâneas. 

Dessa forma, o cultivo de plantas para adubação verde e cobertura do solo passou a ser um componente imprescindível para viabilizar qualquer tipo de sistema de produção sustentável, seja ele convencional, de transição ou agroecológico, assim como para o cultivo de qualquer espécie vegetal, seja ela para produção de grãos, fibras ou frutos, em cultivos extensivos ou in­tensivos (hortaliças), em cultivos anuais ou perenes, de clima tropical, subtropical ou temperado. 

Com o avanço dos estudos específicos sobre as espécies utilizadas e sobre os sistemas de manejo de cada uma delas, novas denominações foram registradas, embora elas deem mais ênfase a alguns efeitos importantes do seu cultivo. Assim, Barni et al. (2003) registraram a de­nominação “plantas recicladoras, recuperadoras, protetoras e melhoradoras” provavelmente para dar ênfase à capacidade de reciclagem, recuperação, proteção ou melhoramento do solo, das diferentes espécies; Carvalho (2005), Aguiar et al. (2006) e Spera et al. (2006) registraram a deno­minação “plantas condicionadoras” provavelmente para dar ênfase à capacidade das diferentes espécies em condicionar o solo a novos patamares de fertilidade (enfoque amplo). Apesar das novas denominações, a mais tradicional (adubo verde) e sua prática (adubação verde) parecem ser as que mais bem expressam o conjunto de tudo aquilo que se espera de uma espécie vegetal e de uma prática agrícola para a recuperação dos solos degradados ou para a conservação dos produtivos.


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